segunda-feira, 5 de maio de 2014

PARQUE NACIONAL DO BICUARI – Histórico





Parque Nacional do Bicuari

Histórico

No 76º ano da instituição como Reserva (1938) e 50º ano da classificação como Parque Nacional (1964)



CARATERIZAÇÃO, LOCALIZAÇÃO E LIMITES

Este artigo refere-se ao histórico do Parque Nacional do Bicuari (escrito à frente abreviadamente PNB ou só Parque), principalmente na pré-independência de Angola, 1975, embora haja naturalmente aspetos imutáveis ou intemporais. Pontualmente fazem-se alusões à atualidade nos pontos que se ache oportuno e se tenha conhecimento.

O PNB, que também aparece escrito nalgumas fontes Bicuar ou Bikuar, tal como todos os parques nacionais é uma área sob direção e fiscalização públicas de proteção da natureza na sua globalidade, fauna selvagem, sua propagação e habitats, vegetação espontânea e solo, sem exploração humana, sendo obviamente proibido caçar, abater ou capturar animais e destruir ou colher plantas tendo em vista a conservação das espécies ou biodiversidade, ecossistemas ou paisagens tendo também por objetivo o interesse científico, educacional, cultural e recreativo e o respeito pelas caraterísticas geomorfológicas ou estéticas.

Situa-se no sul de Angola ou mais precisamente no coração da província da Huíla nos municípios de Quipungo e Matala, margem direita do rio Cunene.

Limites Geográficos - 14 55' a 15 36' de latitude sul e 14 14' a 15 19' de longitude este.

Limites - O único limite natural é o troço do rio Cunene que delimita o PNB a leste. Os outros são limites “artificiais” e foram objeto de infelizes alterações em 1968 e 1971 pois estas não tiveram em linha de conta os ecossistemas na sua integralidade. Os limites norte, oeste e sul, são referenciados por diversas mulolas. Considera-se fastidioso nomear aqui esses limites cuja indicação nem sempre é coincidente nas várias fontes consultadas.

O PNB é percorrido por várias mulolas que correm quase todas de poente para nascente mas confluindo numa principal no sentido norte-sul. Mulolas são depressões alongadas do terreno em forma de vale onde se forma água que conserva o solo húmido, algumas mesmo na época seca, dita cacimbo, pelo que mantêm pasto verde e tenro, predileto dos herbívoros. São afinal linhas de drenagem natural.

Nas mulolas da periferia, ou seja, nas que delimitam o Parque, foram abertas picadas por desmatações que as acompanham, com largura aproximada de 5 a 6 metros, entre 1969 a 1973, sobretudo pelo trabalho intensivo do pessoal privativo daquele orientado por topógrafo, com o uso de trator de lagartas e motoniveladora da Brigada Especial de Engenharia. Tiveram como objetivo a mais fácil identificação visual dos limites do Parque no terreno para efeitos de óbvia orientação e de melhor fiscalização, embora também facilitassem a ilegal caça. Para além das picadas do perímetro há estradas de acesso e rede interna de várias picadas de penetração rasgadas ao longo dos tempos; todas juntas devem perfazer mais de quatro centenas de Km.

A altitude média do PNB vai dos 1200 aos 1250 m, e o terreno apresenta-se praticamente como uma planície, existindo somente raras elevações de pequena altura já que a diferença entre o ponto mais alto e o mais baixo é de cerca de 50 m. É coberto pelas areias oriundas do deserto do Calaári. O clima é tropical húmido a norte e seco a sul. A queda pluviométrica ou precipitação média anual atinge os 960 mm anuais. Uma chana (planície desarborizada) impressionante pelos aspeto paisagístico e sua dimensão é da Uieva, de configuração quase circular com cerca de 12 km de perímetro.

A temperatura varia entre os 11 e os 28 graus celsius, média anual de cerca de 18,7 graus; sofre muita variação entre o dia e a noite, ou seja, a amplitude térmica diária é grande. Durante parte da época seca ou cacimbo as noites são mesmo muito frias (junho e julho). A humidade média anual é 50%.

A superfície atribuída ao PNB é de 7900 Km2. Ou seja, tem uma área de cerca de 790.000 hectares que representa 10% da superfície da província da Huíla. Calcula-se ter como comprimento e largura máximos de cerca de 86 e 110 Km. De notar porém que há fontes que indicam uma área um pouco menor.



CRIAÇÃO E ESTATUTO

Em 16-4-1938 a zona do Bicuari foi constituída Reserva de Caça passando a Reserva Parcial em 1957; e finalmente foi elevada à categoria de Parque Nacional em 26-12-1964, há cinquenta anos (a perfazer no final de 2014), categoria que se mantém.image

FAUNA E FLORA
Em Angola há vários biomas, isto é, “comunidades de plantas e animais com características próprias que resultaram da interferência dos climas com os seres vivos e o solo duma região e que ocupam uma vasta área”. O PNB situa-se na transição dos biomas de brachystegia (ou zambeziano) e o bioma árido do sudoeste (Karoo-Namibe). Diz-se bioma de brachystegia atendendo a que são dominantes árvores deste género botânico (conhecido também por mata de miombo) o qual ocupa a maior parte do território angolano, cerca de 70%. Os sistemas ecológicos do PNB ou ecossistemas, ou seja, as “comunidades particulares de animais e vegetais e sua associação com o meio físico que as rodeiam” incluem pois matas de árvores e arbustos com capim e gramados de diversas espécies e apresenta-se com muitas mulolas como já se referiu. É pois uma savana típica com árvores de porte apreciável, arbustos e capins.

Em épocas anteriores ao seu estabelecimento como zona protegida a área foi objeto de grandes explorações de madeira para exportação mas as mesmas foram sendo abolidas ou abandonadas. E a Reserva também foi vítima do triste período de caça livre na província da Huíla de 1950/52, de nefastas consequências pois foram dizimadas vastas populações animais que até então abundavam. Mas não só: a zona foi durante longos anos em tempos anteriores e recuados o paraíso de caçadores mas graças às medidas tomadas nomeadamente a criação da Reserva e depois Parque Nacional a fauna foi-se regenerando.

Citemos (por ordem alfabética) os mamíferos selvagens que têm povoado o PNB em maior ou menor número ao longo dos tempos (ocorrência histórica): babuíno-amarelo (ou macaco-cão-amarelo), bambi-comum, búfalo (ou búfalo-preto), burro-do-mato (ou quicema, por vezes escrito quissema), cachine, caracal, chacal-de-flancos-raiados, chita, cuio (ou lebre-saltadora), elefante, esquilo, facochero (impropriamente chamado por vezes de javali), gálago-grande (ou de-cauda-grossa), gálago-pequeno, gato-bravo-comum, geneta, gimbo (ou porco-formigueiro), gnu, gunga, hiena-malhada, hipopótamo, impala-de-cara-preta, leão, lebre, leopardo (que erradamente há quem chame de onça), lontra-malhada, mabeco, macaco-de-cara-preta (também conhecido por macaco-cinzento), nunce (ou sembo), olongo, oribi (ou muinha), palanca-vermelha (castanha ou ruana), pangolim-vulgar (ou do-Cabo), porco-bravo (ou potamochero ou javali-africano), porco-espinho, protelo, punja, raposa-orelhuda, serval, zebra-da-planície (ou de-Burchell) e outras espécies há certamente. É provável que algumas das atrás indicadas possam apresentar pequenas ou raras populações mas prevê-se a sua regeneração natural.                                          
                      
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No que respeita a répteis existem: crocodilo no rio Cunene, jiboia e várias outras espécies de répteis.

O PNB é também povoado por muitas espécies de aves tais como: abutres, águias, capotas, codornizes, corvos, garças, cegonhas, corujas, grous, java, perdizes, pombos, rolas, patos, peru-do-mato ou pumumo, tuas, etc.


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ADMINISTRAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E OUTRO PESSOAL

Na pré-independência de Angola o PNB, tal como todos os parques nacionais e reservas parciais e integrais, e coutadas públicas, eram administrados pelos Serviços de Veterinária de Angola através da sua Repartição Técnica da Fauna designada a partir de 1973 por Direção de Serviços de Proteção à Fauna bem como era da sua responsabilidade a fiscalização da atividade cinegética no território angolano em geral (“terrenos abertos”) através das comissões venatórias.

No PNB residiram fiscais de caça, depois designados auxiliares de ecologia, e pessoal de apoio operacional tais como guardas de parque, serventes, pedreiros, ajudantes, cozinheiro e outros bem como alguns técnicos superiores.

Apurámos os seguintes fiscais de caça/auxiliares de ecologia que prestaram serviço no PNB quer integralmente quer colaborando na sua fiscalização ou supervisão: Fernando Eduardo Taborda Teixeira; Armando Neto; Armando Costa; Rocha de Azevedo; António Joaquim Seixas (meados da década de 60); João Carneiro; Manuel Beijinho Branquinho (de 1969 a 1975, tendo sido também adjunto de administrador residente); e decerto outros mas que não foi possível identificarmos.

Trabalharam e residiram o ecólogo sul-africano Brian John Huntley e o técnico inglês David Wearne. Também ali prestaram serviço residencialmente o engenheiro técnico agrário Rui Nogueira e os médicos-veterinários: Armando Namorado Malacriz, João Serôdio de Almeida e por pouco tempo Júlio Henrique Rodrigues.

Não podemos deixar de citar um antigo caçador que foi um grande amigo do Parque, o conceituado comerciante Pedro Luís Carmo, residente no Lubango, sua visita frequente e importante conselheiro na gestão, sempre disponível e que foi formalmente membro da comissão administrativa.

Algumas vezes, populações circunvizinhas dirigiam-se às autoridades administrativas da zona para apresentarem queixas sobre destruição de culturas nos arimbos (lavras) por parte sobretudo de elefantes, gnus e palancas que saíam da área protegida sobretudo à noite, visto que não havia quaisquer vedações do Parque.

O turismo não estava institucionalizado até 1975 pelo que as visitas, que tinham de ser autorizadas, eram raras e quase apenas de caráter técnico, científico ou de estudo; outras visitas aconteciam mais raramente ainda e mediante prévia autorização também. Mas previa-se abrir o Parque ao turismo nos anos seguintes.

No período que nos vimos a reportar, ou seja, até à independência, no respeitante a população humana existiam núcleos junto ao rio Cunene sendo detentores de gado (bois, cabras, ovelhas e porcos) e galináceos. Quanto ao interior propriamente, ou seja, na maior parte da área do Parque, a razão da quase inexistência de população, é naturalmente devida à escassez de água. Porém, a zona norte era utilizada por populações que não residindo verdadeiramente no Parque frequentavam-no para pastoreio de gado, recolha de lenha, mel e frutos silvestres

Problemas que se colocavam com frequência à administração do Parque eram a caça furtiva e as queimadas incontroladas.

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Atualmente (2014) a gestão das áreas de conservação de Angola, especificamente dos Parques Nacionais e demais Reservas, é da responsabilidade do Ministério do Ambiente – MINAMB. Mantêm-se os limites oficiais antigos do PNB. Neste existem administração, meios e um grande efetivo de pessoal de fiscalização; e tem havido um grande esforço de reabilitação de acampamentos e picadas. No que respeita a fauna selvagem têm sido observados animais das espécies atrás citadas de ocorrência histórica.



INSTALAÇÕES: ACAMPAMENTO E OUTRAS

Segundo Eduardo Teixeira, filho do fiscal de caça Fernando Teixeira, foi decidida a criação dum local turístico, eram os anos dos primórdios da Reserva/Parque, pelo que foi instalado junto à mulola da Matemba, onde também foi construído um dique, o centro administrativo, a que vulgarmente se chamava acampamento, constituído pela primeira casa do parque, de pau a pique, rebocada, com dois quartos e uma enorme sala, onde numa das paredes aquele jovem, na altura, pintou, a preto e branco a cabeça de um elefante.

Mais tarde, provavelmente por altura de 1967 ou 1968, foi transferido para outro local definitivo junto à mulola do Gando, a cerca de 50 km de Quipungo e 40 de Capelongo, onde gradualmente se construíram residências, casa para visitas, instalações coletivas de pessoal, sanitários, cozinha e forno, depósito elevado de água, escritório, abrigo para gerador, garagem, oficina, arrecadação, sala aberta para refeitório e aulas ou formação, etc., tudo em alvenaria. Tinha água canalizada e instalação elétrica geral. Neste acampamento não havia vedação pelo que, sobretudo à noite, era frequente ser transposto tranquilamente por animais, incluindo elefantes. Defronte há um dique ou barragem de terra e pequena albufeira com abrigo para observação da fauna.

Bem distante dali, junto ao rio Cunene, no Matunto, adaptou-se a casa dum antigo comerciante (Zé Gato), situada num ponto ligeiramente elevado com vista sobre o rio, que foi adquirida pelo Parque para residência dum fiscal ou para alojamento de visitas. Na entrada norte do Parque, no local chamado Chilambo, situado na estrada a partir de Quipungo, a 30 km desta vila, foi montada uma casa pré-fabricada de boa qualidade para instalação da segurança ou guarda de parque. Também na outra entrada, a partir da estrada de Capelongo para o Parque, havia uma casa em madeira para o mesmo efeito.



COMUNICAÇÕES, VIATURAS E OUTROS MEIOS

O PNB no primeiro lustro dos anos setenta dispunha de várias viaturas: jipes e um Unimog; um trator agrícola e atrelado; um camião de tração integral.

Um posto de rádio fixo garantia ligações com a sede dos serviços em Luanda e com outros serviços distritais e ainda com postos móveis instalados nas viaturas.

Estavam atribuídas ao pessoal de fiscalização e para segurança o armamento oficialmente fixado.

As picadas que percorriam o parque ou que o limitavam na sua periferia eram reparadas quando necessário e mantidas com cortes anuais da vegetação.

Um plano de fomento plurianual projetado para 1975 a 1977, mas não concretizado, previa verbas vultosas para infra-estruturas, residências, novo centro administrativo e instalação do centro turístico, depósitos de água, melhoramento das vias de comunicação, apetrechamento em viaturas pesadas e ligeiras, maquinaria diversa, geradores, central elétrica, etc.

ABEBERAMENTO DA FAUNA

Embora o rio Cunene seja a fonte natural de abeberamento da fauna principalmente na estação seca ou cacimbo, mas com a finalidade de garantir a existência de água durante todo o ano foram construídos diques ou pequenas barragens que represavam bastante água formando albufeiras de alguma extensão tornadas pontos de convergência da fauna. E, posteriormente, já nos primórdios dos anos 70, como também tivessem sido criadas restrições, resultantes das desanexações para o Gabinete do Plano (de colonização) do Cunene, com cortes nas vias de acesso ao rio, ainda se sentiu mais essa necessidade de se implementarem mais bebedouros artificiais no interior do PNB.

Resumindo, existiam em 1975 criteriosamente colocados pela área os seguintes:

Quatro diques ou pequenas barragens, em terra e uma em cimento, em linhas diversas de drenagem natural.

Três chimpacas, ou seja, escavações apreciáveis nas quais se acumulava água das chuvas ou mesmo nascia água.

Quatro bebedouros os quais eram abastecidos por água bombeada de furos de alguma profundidade; os geradores dessas eletrobombas de profundidade estavam instalados em abrigos subterrâneos a fim de abafar ou reduzir o ruído do seu funcionamento não agredindo desse modo o ambiente habitualmente tranquilo da fauna. Funcionavam automaticamente com arranque e disparo pré programado. Tal equipamento foi instalado por uma empresa especializada do Lubango. Abriram-se outros furos sem que fosse encontrada água pelo que foram abandonados. A entidade responsável pelas perfurações era o Serviço de Geologia e Minas.

As razões dessas captações e disponibilização de água, de que poderiam resultar a prazo alterações no equilíbrio ecológico, assunto a estudar, tiveram a ver acrescidamente, como já se referiu, com a problemática adveniente do grande Plano do Cunene que estava a instalar uma linha de alta tensão, a efetuar construções (aldeamento), etc. tudo pouco compatível com a vida animal selvagem; e daí o recurso às citadas alternativas “artificiais” de abeberamento, que serviam também para os animais se banharem e barrarem, obviando-se assim de certa forma que corressem riscos ao movimentarem-se rumo ao Cunene.

Nessa época preconizava-se ainda uma alteração realista dos limites do próprio PNB, como adaptação forçada aos tais condicionalismos impostos. E também se programava a construção de centros turístico e administrativo fora do parque embora próximo, bem como a criação de reservas parciais compostas pelas áreas a desanexar e abertura de novas picadas para maior fiscalização.

No Parque há ainda algumas lagoas naturais (zona de Pombaíma), com concentração salina atrativa de fauna, que acumulam água na época das chuvas mas só algumas a preservam durante todo o ano.



INTERRUPÇÃO DE ATIVIDADE

Em virtude de atraso no envio por parte da sede dos serviços em Luanda de fundos para pagamento de salários do pessoal operacional, os trabalhadores fizeram uma “greve” em agosto de 1975 pelo que regressaram às respetivas residências no exterior do Parque. E, quase logo de seguida, devido à histórica e conhecida situação da guerra interna eminente no período próximo à independência de Angola, que determinou escassez de meios que foram sendo retirados ao PNB, e tendo-se gerado concomitantemente grave instabilidade e insegurança com consequentes riscos numa área tão vulnerável devido ao isolamento, o restante pessoal que ali residia e trabalhava, e respetivas famílias, foi obrigado a abandoná-lo nesse mesmo mês de agosto de 1975 refugiando-se em localidades mais seguras, mais ou menos distantes, interrompendo-se assim na época a administração direta e serviços no Parque Nacional do Bicuari.



AGRADECIMENTOS E FONTES

As cinco fotos deste artigo foram efetuadas pelo autor em 1975.

Agradece-se a Manuel Beijinho Branquinho que forneceu privilegiadamente muitos e imprescindíveis elementos, descrições, datações referentes ao PNB. Grato também a Eduardo Teixeira pelas notas que me transcreveu de um seu livro acerca do primeiro acampamento e a M. Christoph P. Ley sobre informações da situação recente.

Porém, foram várias outras as fontes onde encontrei descrições ou referências sobre o PNB nomeadamente em relatórios do ecólogo Brian John Huntley e de J. Serôdio de Almeida, livro de A. Paias Simões, na net e noutras origens mas seria longo indicá-las num trabalho de simples referenciação ou divulgação histórica como este.

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“Artigo publicado no Livro do 37º Convívio `Os Inseparáveis da Huíla’ – Dias 12 e 13 de julho de 2014 – Mata Rainha D. Leonor – Caldas da Rainha”










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